Sem boas novidades no campo do álcool

No dia 21 de setembro, a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou seu mais importante relatório relativo à participação do álcool na saúde pública. A versão de 2018 reflete dados colhidos até 2016. Destacou-se na imprensa leiga brasileira o fato de ter havido uma diminuição na ingestão de álcool no Brasil. De 2010 a 2016, a ingestão média do álcool pelo brasileiro caiu de 8,8 litros/ano para 7,8 litros/ano. Esse dado, apresentado em separado dos demais, na verdade, não deixa motivos para nenhuma comemoração. Pelo contrário, se trata de uma ilusão proveniente de uma leitura parcial dos números, que oculta os reais e continuados riscos aos quais a população brasileira está submetida.

Em primeiro lugar, é necessário ressaltar que a quantidade anual de etanol ingerida é apenas um dos aspectos dos danos causados pelo uso de álcool a uma população. Os padrões de uso e o contexto social no qual o uso ocorre são, no caso brasileiro, mais importantes do que a quantidade ingerida. O problema mais agudo vinculado ao álcool no Brasil são os episódios de uso compulsivo (conhecidos, em geral, pelo termo inglês binge drinking). É o binge drinking o responsável por grande parte dos acidentes automobilísticos nos quais o álcool está envolvido; por substancial parte da violência doméstica que acomete sobretudo a população brasileira mais vulnerável; por boa parte da violência interpessoal, leia-se brigas e assassinatos, que também age de modo mais incisivo sobre a parcela menos favorecida da população. O mesmo vale para sintomas depressivos e, o que é mais importante, ideação suicida. Uma pessoa que ingere grandes quantidades de álcool em pouco tempo tem uma chance de tentar suicídio 37 vezes aumentada!

Em segundo lugar, é sabido que a quantidade de álcool consumida por uma população tem relação direta com seu grau de riqueza. Quanto mais rico um país, mais disponibilidade tem seus cidadãos para comprar bebidas alcoólicas. Também é sabido que os países que têm tido maior elevação no consumo de álcool são aqueles ditos emergentes, como o Brasil. Nestes países, a elevação de renda anda de mãos dadas com o aumento da quantidade de bebida ingerida; inversamente, quando cai a renda, cai a ingesta. Se nos lembrarmos da gigantesca crise econômica do Brasil nos últimos anos, veremos que essa redução na quantidade ingerida tem a ver apenas com a crise e não com as quase inexistentes medidas de restrição do uso. É quase certo que, quando sairmos da crise, aumentará a ingestão de álcool. A ausência de políticas do álcool nos faz um dos países mais vulneráveis a isso.

Pela falta de regulação do álcool e pela enorme dimensão dos males que o uso descontrolado da substância faz para o país, não temos nenhum motivo para comemorar esse relatório da OMS. Pelo contrário, só temos motivos para exigir de nossos governantes medidas urgentes para uma regulação moderna e responsável do álcool.

Leandro de Freitas Rodrigues

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