Seminário reuniu pesquisadores nacionais e internacionais, entrevistadas e navegadoras de pares para debater sobre o tema
O Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), em parceria com o Núcleo de Pesquisa em Direitos Humanos e Saúde da População LGBT+ (NUDHES), realizou, em 12 de setembro, evento que teve objetivo apresentar os resultados preliminares de pesquisa sobre promoção de autotestagem de HIV e do uso da profilaxia pré-exposição (PrEP) entre travestis e mulheres trans.
A pesquisa de nome “Manas por Manas: prevenção e autocuidado entre travestis e mulheres trans” foi coordenada pela Profª Dra. Maria Amelia Veras, pela Dra. Jae Sevelius, da Universidade de Columbia, em Nova York; e pela Dra. Sheri Lippman, da Universidade da California São Francisco, na California.
A programação do Seminário foi organizada em forma de mesas temáticas: Apresentação da pesquisa, construção e desafios do campo; a Relação com as participantes; a Experiência da coleta de dados clínicos de PrEP; Saúde mental; e finalmente, Resultados preliminares e próximos passos. O debate reuniu os pesquisadores do estudo, estudantes de pós-graduação, pesquisadores de outras instituições, e navegadoras de pares, ou seja, mulheres trans que auxiliaram nas intervenções e entrevistas da pesquisa.
O estudo teve início em 2020, durante a pandemia da Covid-19, e entrevistou e acompanhou, por cerca de dois anos cerca de 392 mulheres transexuais e travestis.
Como método da pesquisa, houve sessões individuais e em grupo, supervisionados por navegadoras de pares a fim de incentivar o orgulho trans e priorizar o acolhimento e segurança das entrevistas.
De acordo com Raquel Teodósio, uma das navegadoras de pares, trabalhar com pessoas travestis fez retorná-la ao local de onde veio e as dores que já sentiu. “A nossa sobrevivência é sempre muito delicada. A gente sabe o quanto as pessoas trans sofrem, nós sabemos melhor do que ninguém o que passamos no dia a dia e o quanto a gente precisa de projetos como esse que nos faz olhar para a frente”, diz.
“Precisamos ver que temos possibilidades de ser alguém na vida, de não sermos assassinadas e não apenas em nossos corpos, mas também quando temos a impossibilidade de estarmos em lugares de lazer, como um teatro, que em muitas vezes não nos víamos neles por falta de acolhimento de pessoas, empresas e projetos que nos desse as mãos para que a gente pudesse seguir em frente”, apresenta Raquel, agradecida e emocionada com a oportunidade de estar na pesquisa.
Durante as intervenções, houve questionamentos sobre a saúde e formas de prevenção de infecções sexuais, tanto sobre conhecimento destas formas, sobre uso contínuo das tecnologias.
Para além dos questionamentos, as navegadoras de pares estimularam a testagem de HIV com frequência e facilitaram o acesso ao uso da profilaxia pré-exposição (PrEP) entre participantes. Simultaneamente à intervenção foram utilizadas base de dados para consultar o acesso aos serviços de saúde, óbitos e casos de infecção de mulheres trans.
Para a Profª Dra. Maria Amelia Sousa Mascena Veras, a pesquisa Manas por Manas foi decisiva para influenciar a iniciação à PrEP, ou seja, uma pessoa que nunca tinha tomado PrEP e decide tomar; a volta à PrEP daquelas que já tinham tido essa experiência e por alguma maneira tinham descontinuado; mas, também, a persistência no uso desta importante tecnologia de prevenção.
“A persistência na PrEP foi medida pelo número de comprimidos dispensados suficientes para ter 90% de cobertura, ou seja, quantas participantes tomaram, em uma semana, quatro ou mais comprimidos, o que lhes conferia proteção”, explica a pesquisadora. De acordo com a professora Veras, apenas cerca de 30% das entrevistadas já tinham feito o uso de PrEP antes do início da pesquisa.
Dentre este cenário, a pesquisa revelou que cerca de 63,5% das amostras sanguíneas mostraram que o uso de PrEP foi tomado de modo efetivo, enquanto 20,5% das entrevistadas fizeram uso do método preventivo, mas não de forma contínua, tornando-o não protetor.
A falta de acesso à saúde pública, e o sofrimento psíquico de cada entrevistada foram pontuados como os principais obstáculos para os métodos preventivos. Ao mesmo tempo, no que se refere à saúde mental das participantes, foi percebido que 42% das entrevistadas apresentaram sofrimento psicológico de nível severo, 20% apresentaram um sofrimento moderado e 15% tinham sofrimento psicológico leve.
Ainda, cerca de 61% das entrevistadas apresentaram transtorno pós-traumático, enquanto 65% delas já tinham pensado em suicídio e 31% tentaram suicídio ao longo da vida. “Esses resultados de saúde mental são bastante graves e chamaram a atenção da equipe para a necessidade de suporte de cuidados de saúde mental e, inclusive, nos tipos de mecanismos nos quais poderíamos intervir sobre isso”, pontua a professora.
A pesquisa ainda evidencia que a subjetividade de cada entrevistada influencia diretamente na prevenção. De acordo com Sheri Lippman, houve uma maior confiança em relação aos equipamentos de saúde e o acesso aos métodos preventivos quando as navegadoras de pares apresentaram as possibilidades de cuidado, diminuindo o estigma sobre o tema.
“Temos evidências que o projeto melhorou o início de PrEP e que foi mais eficaz para as mulheres que mais precisavam de apoio, principalmente em mulheres que fazem trabalho sexual. O resultado realça a necessidade de direcionar a intervenção, uma vez que nem todas precisam do mesmo tipo de apoio”, explica a pesquisadora.
Na oportunidade, os pesquisadores também apontaram o aumento do suporte social e emocional nas mulheres que participaram da pesquisa, por meio de indicadores psicossociais, sendo: a resiliência ao estigma, a capacidade de se recuperar depois de situações de estresse, o orgulho trans, olhado pelo sentimento em relação à comunidade trans, e a afirmação de gênero psicológica interna.
A forma que estes indicadores auxiliarão e serão desdobrados, em conjunto com os indicadores psicossociais em projetos futuros também foram debatidos no Seminário. A saúde mental e como a pandemia influenciou no tratamento também serão tópicos a serem desdobrados na pesquisa.
Para ver os primeiros resultados da pesquisa, clique aqui.
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