Estudo revisa 10 pesquisas internacionais e aponta que a substância pode reduzir sintomas ao final do tratamento, abrindo caminho para novos paradigmas em saúde mental
Pesquisadores da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP) publicaram uma revisão sistemática e meta-análise que reuniu as evidências mais atualizadas sobre o uso da cetamina no tratamento do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). O estudo analisou 10 trabalhos publicados entre 2012 e 2022, incluindo cinco ensaios clínicos randomizados, com um total de 363 participantes.
O objetivo foi avaliar se a cetamina — um anestésico que vem ganhando espaço na psiquiatria por seus efeitos rápidos — pode reduzir sintomas de TEPT, condição que costuma ter longa duração e que ainda carece de opções terapêuticas eficazes.
A equipe liderada pelos professores doutores Ricardo Uchida e Thales Marcon Almeida avaliou dois momentos: 24 horas após a primeira infusão e ao final do protocolo, cuja duração variou entre 1 e 4 semanas, conforme cada estudo.
Nas primeiras 24 horas, não houve diferença significativa entre cetamina e placebo. Ao final do tratamento, contudo, a cetamina apresentou melhora estatisticamente significativa em comparação aos grupos-controle.
De acordo com a meta-análise, a substância demonstrou redução dos escores da PCL-5, escala amplamente utilizada para medir sintomas de TEPT, ao final dos protocolos avaliados. Embora o efeito inicial ainda não seja conclusivo, os pesquisadores identificaram tendências positivas que apontam para uma possível aceleração da resposta terapêutica. Entre os estudos revisados, porém, houve alta heterogeneidade, o que reforça a necessidade de novos ensaios clínicos mais robustos.
Para o professor Dr. Ricardo Uchida, a cetamina se destaca não apenas pelo efeito nos sintomas, mas pela forma como pode ampliar a resposta terapêutica: “Estamos entrando em uma nova fase do cuidado emocional. A cetamina, antes restrita ao uso anestésico, passa a ocupar um papel importante ao estimular reconexões neurais e abrir uma ‘janela de plasticidade’ que potencializa a psicoterapia. Mas é essencial lembrar: tecnologia não substitui cuidado humano — ela o complementa.”
Quatro dos estudos analisados incluíram protocolos que combinaram cetamina com psicoterapia — como mindfulness e terapia de exposição prolongada — apontando caminhos promissores para abordagens integrativas.
Uchida reforça que a perspectiva não é apenas farmacológica, mas integrativa, unindo neurociência, ética e acolhimento clínico.
O professor Dr. Thales Marcon Almeida destaca que o TEPT segue sendo uma condição com opções limitadas de tratamento: “Hoje contamos basicamente com sertralina e paroxetina, e mesmo assim o efeito costuma ser modesto. A cetamina surge como uma alternativa promissora, especialmente considerando seus resultados em depressão resistente e redução de ideação suicida.”
Ele explica que o estudo reuniu as principais evidências disponíveis para orientar a próxima etapa da pesquisa: “Nossa meta-análise mostra que há sinal de eficácia, mas ainda precisamos de ensaios clínicos maiores, com seguimento mais longo e metodologia mais homogênea. Só assim poderemos discutir a aprovação oficial para o TEPT.”
O levantamento também mostrou que a cetamina foi bem tolerada, com efeitos adversos transitórios, como dissociação, que atingiram o pico por volta de 40 minutos após a infusão e retornaram ao normal em até duas horas. Não foram observados episódios de psicose ou mania.
Com a publicação, a Faculdade Santa Casa de São Paulo fortalece sua presença no cenário internacional de pesquisas em saúde mental e terapias de ação rápida, contribuindo para o avanço de estratégias inovadoras no cuidado de condições graves e de difícil tratamento.
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