8/3/2019
Deixar de ir ao médico para consultas de rotina ou em caso de dor parece algo impensável. Entretanto, essa é a realidade de muitas pessoas surdas ou com deficiência auditiva.
Surda, a professora de Língua Brasileira de Sinais (Libras) Sylvia Grespan, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, assume que evita o consultório médico, por julgar que os profissionais não estão preparados para atendê-la da forma adequada. Ter de escrever ou depender de alguém que descreva ao médico os sintomas que ela sente e compartilhe partes relevantes do seu histórico de saúde é, para ela, um incômodo.
“Dizem que os surdos não procuram médico. Eu, Sylvia, não procuro, porque já sei que não vou ter uma comunicação efetiva. Então, não me sinto confortável, não tenho conforto linguístico de conversar com um médico”, diz, acrescentando que pessoas já relataram a ela casos em que foram repreendidas pelo médico por utilizarem o celular para tentar melhorar a comunicação durante a consulta. “É nosso direito ter um atendimento eficaz e efetivo. Já estamos no século 21 e até hoje a sociedade não está pronta pra receber o surdo?”
De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2013, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 2,2 milhões de pessoas declararam ter deficiência auditiva. O grupo representa 1,1% da população brasileira.
Sylvia conta que, certa vez, ficou internada e se surpreendeu com as marcações no chão do hospital onde deu entrada. “Eu achei legal, porque era [um recurso] visual, e perguntei ‘Por que é colorido’?. Me disseram: ‘Porque a maioria nesse município é analfabeta’. Tá vendo? Eles nem pensaram no surdo, e sim nas pessoas que não sabem ler nem escrever.”
A única exceção às experiências desagradáveis, afirma, ocorreu há dois anos, quando operou a vesícula e ficou na UTI [Unidade de Terapia Intensiva], por um mês. Sem estar à vontade para pedir que sua mãe, já idosa, a acompanhasse, teve uma surpresa. “Eu me senti bem, porque ali todo mundo sabia Libras. Eu me senti muito feliz, porque eles eram meus ex-alunos.”
Na avaliação da professora, que ministra aulas de Libras para alunos de fonoaudiologia e medicina e já formou, em três anos, 400 alunos, o curso não resolve o problema, isoladamente. “Não é só o curso de Libras que é importante. Também tem que saber como explicar para o surdo”, ressalta.