25/8/2018

Efeitos danosos do álcool Por Guilherme Messas

Os resultados da maior pesquisa mundial sobre os efeitos danosos do álcool, publicados há alguns dias, pelo prestigioso periódico científico Lancet, são claros: não há nível seguro para a utilização da substância. Nos últimos anos, repetidas evidências cientificas vêm mostrando que o álcool não deve ser tratado como uma droga branda, sem maiores riscos para os indivíduos e a sociedade, em relação à qual apenas um pouco de moderação no uso bastaria para sua ampla aceitação social. Quero aqui defender três argumentos que mostram porque é urgente a tomada de medidas firmes para o controle do álcool. E essas razões não passam por um moralismo antiquado ou um paternalismo autoritário: elas são a expressão das necessidades de uma sociedade moderna, que coloca a saúde pública, a segurança pública e a qualidade de vida de seus cidadãos como prioridades.

Em primeiro lugar, o álcool é uma droga perigosa porque lesa a sociedade por várias maneiras diferentes. Na população jovem, é a principal causa de morte precoce, em geral ligada à vulnerabilidade a doenças infeciosas, acidentes de carro e violência interpessoal. Se, hipoteticamente, toda a população mundial resolvesse parar de usar álcool, haveria 20% de redução das mortes e das condições de saúde incapacitantes. Acima de 50 anos, a hipotética supressão do álcool reduziria as mortes por câncer em mulheres em 25%! Esses dados alarmantes, no entanto, são insuficientes para convencer a população da necessidade de mudança de comportamento. Isso ocorre pelo segundo motivo que quero ressaltar.

A segunda razão para se combater o uso desregulado do álcool é sua invisibilidade. Como beber é uma prática cultural disseminada, há um nítido descompasso entre os danos que provoca na população e a percepção das pessoas destes danos, para si mesmas e para terceiros. É muito difícil para as pessoas reconhecerem que aquilo que estão acostumadas a fazer é muito mais nocivo do que lhes parece. Por isso, é fundamental que o assunto seja tratado não apenas do ponto de vista informativo, mas também propositivo. São necessárias medidas efetivas que, depois de discutidas com a população e pactuadas com todos, permitam de fato um controle do álcool. Foi assim, por exemplo, no caso do cigarro e hoje se vê como as medidas de restrição do fumo, muitas vezes combatidas no início de sua implantação, são quase um consenso na população.

Por fim, é importante ressaltar que o uso de álcool aumenta à medida que as sociedades enriquecem. O uso problemático do álcool é, de certo modo, um efeito colateral do avanço das sociedades contemporâneas. Pouco a pouco, o álcool vai se tornando um fator de risco fundamental para a carga de doenças nessas sociedades. No caso brasileiro, por exemplo, já é a terceira causa de anos de vida perdidos. Assim sendo, oferecer políticas de álcool adequadas é o caminho inevitável para um desenvolvimento social compatível com as aspirações de modernidade de uma sociedade. Não haverá uma sociedade justa e moderna que não tenha na política do álcool um dos seus pilares de sustentação. É urgente que o Brasil coloque em sua agenda uma ampla discussão sobre o uso controlado do álcool.

Guilherme Messas, psiquiatra especialista em Álcool e Drogas, é Professor e Coordenador do Programa de Duplo Diagnóstico em Álcool e Outras Drogas da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Contato:  gmessas@gmail.com