29/7/2020
Os campi universitários do Brasil contam com o movimento de cerca de 6,4 milhões de estudantes matriculados, segundo o Censo da Educação Superior de 2018, o mais recente publicado pelo Ministério da Educação (MEC). Desde o mês de março, quando a pandemia do coronavírus começou a afetar o país de forma mais severa, esse fluxo de alunos foi interrompido e as salas de aula e corredores das universidades ficaram vazias.
A partir daquele momento inicial, instituições de todo o país começaram a buscar alternativas de aprendizagem para atender às necessidades de estudantes e professores.
Ensino híbrido, máscaras, distanciamento e salas ao ar livre são algumas das medidas tomadas pelas universidades no Brasil e no mundo
Muitas precisaram adaptar todos os seus cursos para o ensino a distância (EaD), inclusive com autorização do MEC para que graduações presenciais, como Direito e Medicina, seguissem online. “Em seis dias, migramos toda a universidade do presencial para aulas remotas, não ficamos nem um dia sem aula”, conta o vice-reitor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Vidal Martins.
Houve também faculdades, que suspenderam completamente as aulas e decidiram usar os esforços para adaptar e organizar o conteúdo das disciplinas para um retorno remoto durante o ano, caso de muitas instituições públicas estaduais e federais.
Em julho, o período de distanciamento social completou quatro meses, e os números da pandemia no país continuam a inviabilizar o retorno da normalidade acadêmica para os estudantes. Durante esse tempo, e percebendo a situação se estendendo, as instituições se preparam para um retorno de forma gradual, que possa garantir a segurança de estudantes, professores e funcionários e não afetar de maneira tão drástica o aprendizado dos cursos.
Para guiar as universidades, governos estaduais e federal começaram a definir medidas para formalizar os protocolos de retorno dessas atividades de forma organizada. O MEC publicou no início do mês as diretrizes que devem ser tomadas pelas instituições federais para que seus alunos possam voltar ao campus.
Entre as medidas de segurança necessárias estão o uso de máscara, o distanciamento de 1,5 metro entre os alunos, a disponibilização de álcool em gel e a ventilação do ambiente. Contudo, não há uniformidade entre as taxas de contágio em todo o Brasil, fato que dificulta que o protocolo estipule prazos para o retorno.
“Isso deve ser muito setorizado conforme a região do país”, afirma a infectologista Raquel Stucchi, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). “Não dá para ter uma regra única, portanto a decisão de voltar ou não às aulas deve levar em conta o grau de transmissão do vírus em cada região”, completa a médica.
Para Raquel, as universidades devem se adaptar para que as salas de aula possam ter espaço necessário para o distanciamento entre os alunos, disponibilização de equipamentos de higiene e uso de máscaras por todos. Além disso, ela ressalta a importância de monitorar toda a comunidade acadêmica para que possíveis casos de contágio não aconteçam. “Você vai precisar de um tempo para adaptação dos espaços e do que você precisa para dar segurança para os alunos e toda a comunidade que trabalha na universidade.”
” Não considero cedo pensar já em uma possível retomada, não acho que é precoce. Ela, sem dúvida nenhuma, deverá ser de uma forma adaptada e deve priorizar, principalmente, quem está no último ano da faculdade para não comprometer muito as expectativas, a procura de um trabalho, ou consolidação já de um trabalho, como um trainee, para que ele possa tocar a vida adiante”, explica a infectologista.
Desde o início da pandemia, algumas instituições mostraram cautela e declararam que o retorno às atividades presenciais não deveria acontecer ainda em 2020. Essa preocupação se deu principalmente devido à dificuldade para um desenvolvimento de uma vacina ou remédio eficaz contra a Covid-19 no curto prazo.
No dia 22 de julho, reitores de dez universidades públicas do Rio de Janeiro assinaram uma nota conjunta em que consideram “bastante improvável” que as aulas presenciais possam ser normalizadas neste ano.
Com atividades acadêmicas suspensas desde março, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) começa a iniciar a transição para a “fase 3” de seu plano de cinco etapas até a volta à normalidade. Nesta terceira etapa, prevista para começar em 10 de agosto, estudantes iniciam o retorno às aulas de maneira totalmente remota.
As fases foram estudadas por uma força-tarefa da universidade chamada Grupo de Trabalho (GT) Pós-Pandemia, que conta com 60 pessoas, entre técnicos, estudantes e professores de diferentes áreas. O grupo debate as melhores formas de se viabilizar um retorno, tanto em relação à biossegurança, como ao aprendizado e condições de trabalho.
“Queremos seguir tudo aquilo que cientificamente acreditamos, em termos de recomendações dos epidemiologistas sobre contágio, o que é mais seguro para ter alguma atividade presencial na universidade, e ao mesmo tempo assegurar as condições institucionais para esse funcionamento”, explica Eduardo Raupp, pró-reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças e coordenador do GT Pós-Pandemia da UFRJ.
Para avançar à “fase 4”, o cenário da pandemia precisa apresentar melhoras nas taxas de contágio e ocupação de leitos em hospitais, além da redução do número de casos e óbitos por Covid-19 no Rio de Janeiro.
Nessa etapa, as aulas começam a acontecer no modelo híbrido, com rodízio de alunos entre atividades presenciais e remotas. O GT Pós-Pandemia avalia que até o início de agosto exista um prazo para tomar essa decisão e estudar a possibilidade de iniciar a quarta fase ainda em 2020.
A “fase 5” indica retorno à normalidade, com todas as aulas e trabalhos presenciais. Para isso, o plano da UFRJ aponta a necessidade de uma vacina ou medicamento contra a Covid-19 disponível. “As condições que a gente vivia e trabalhava antes são impraticáveis em um contexto de algum contágio”, afirma Eduardo. “As pessoas podem dizer que estamos sendo excessivamente cautelosos, mas a gente prefere assim”, completa o coordenador.
Para o início do retorno remoto, a UFRJ também priorizou oferecer auxílios emergenciais para que estudantes em vulnerabilidade possam ter acesso aos recursos tecnológicos, tanto dispositivos como conexão à internet, e pudessem acompanhar as aulas.
“Temos uma situação na universidade, que, muito por desconhecimento, as pessoas ainda acham que a universidade é um local de estudantes privilegiados”, conta Eduardo. “Mas a situação mudou muito nos últimos anos e a gente tem um percentual muito grande dos alunos que têm dificuldades e ficaram mais vulneráveis ainda nesse contexto da pandemia.”
Veja mais: Ensino remoto aumenta as desigualdades educacionais e pode afetar desempenho no Enem Atividades práticas e da área da saúde são prioridade
As discussões das universidades colocam as atividades práticas como a prioridade para as primeiras etapas de retomada. Desde junho, a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo já recebe alunos de Medicina e Enfermagem que estão nos últimos anos, período de internato e práticas dos estudantes em ambientes hospitalares.
A faculdade voltará com as aulas das atividades práticas de todos os cinco cursos da área da saúde da instituição já no dia 3 de agosto, seguindo o formato híbrido e de forma escalonada, para que haja espaço físico seguro para as turmas.
“Fizemos esse escalonamento e vamos colocar os alunos em anfiteatros com mais de 200 lugares”, conta José Eduardo Lutaif Dolci, diretor da faculdade da Santa Casa. “Tudo será feito com o máximo rigor possível, dentro do que é preconizado pelas autoridades sanitárias competentes. Nós vamos voltar, mas vamos voltar com segurança”, garante o médico.
Modelos de ensino híbrido, como o da Santa Casa, aparecem como tendência para que as universidades comecem a reabrir os campi de forma gradual para os estudantes. No Paraná, a PUCPR remanejou os conteúdos de todos os seus cursos para que, sem perda de qualidade na aprendizagem, as atividades práticas que precisam ser presenciais aconteçam apenas quando as condições sanitárias estejam em “bandeira amarela”, de acordo com o governo do Estado.
“Cada coordenador de curso definiu claramente quais são as atividades práticas que exigem presencialidade e precisam do espaço presencial, e as outras que também são práticas mas não exigem”, explica o vice-reitor Vidal Martins. “Se ele precisar ficar o semestre inteiro remoto, o aluno já sabe o que ele vai ter de prática remota e o que poderemos esperar o presencial. Desta forma, ele não fica inseguro e sabe que vai ter o curso de qualidade”, completa.
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