09/11/2022
Pacientes e médicos do mundo que lidam com hipotireoidismo acabam de ganhar uma publicação relevante sobre o tema. Trata-se do livro “Repensando o hipotireoidismo”, do professor Dr. Antonio Bianco, chancelado pela University of Chicago Press. A obra oferece uma visão geral e acessível do tratamento do hipotireoidismo e o papel das grandes empresas farmacêuticas e sociedades profissionais em moldá-lo, demonstrando que a abordagem atual tem apresentado falhas em muitos casos. “No livro menciono os trabalhos que eu fiz na Faculdade enquanto aluno”, destaca Bianco que se formou na XVI Turma do Curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), no ano de 1983.
Desde 2018, Bianco é professor de medicina da Universidade de Chicago, onde tem se dedicado à pesquisa da glândula tireoide. Em 2016, foi eleito presidente da American Thyroid Association, a maior organização de doenças da tireoide em todo o mundo. Em meados de 2010, duas de suas pacientes chamaram a atenção de Bianco. Eram professoras com hipotiroidismo que haviam perdido seus empregos após terem sido diagnosticadas com a doença. “Apesar de estarem recebendo o tratamento adequado, elas continuavam com um déficit cognitivo importante”, lembra. “A memória continuava fraca, tinham dificuldade de tomar decisões, lembrar de nomes, etc. Nesse momento, decidi que iria mudar o foco das minhas pesquisas para entender o que estava acontecendo.” O livro demorou cinco anos para ser escrito e, com a pandemia do novo coronavírus, houve o tempo necessário para que a obra fosse finalizada.
Basicamente, a publicação é organizada em quatro partes. A primeira aborda a crise, tratando do caso de dois de seus pacientes que desenvolveram hipotireoidismo. “Como a maioria dos médicos, eu não sabia que pacientes com hipotireoidismo podem permanecer sintomáticos apesar do tratamento. Explico como os médicos veem esse problema e a influência das grandes empresas farmacêuticas”.
Na segunda parte, Bianco trata de ciência, fornecendo o conhecimento essencial necessário para entender porque algumas das recomendações nas diretrizes clínicas são falhas. Por meio de dados, ele tenta envolver seus colegas médicos com o tema, embora as explicações já estejam acessíveis a qualquer pessoa que se interesse pelo assunto. A terceira parte, uma das mais fascinantes da obra, aborda a história do hipotireoidismo e seu tratamento. Nesse momento, Bianco conta as descobertas que fez entrevistando pessoas-chave e pesquisando centenas de livros escritos desde o século XIX, começando com Napoleão e chegando ao século XXI.
Para encerrar, Bianco aborda as evidências científicas que sustentam as alegações feitas por milhões de pacientes durante os últimos 50 anos. “Os pacientes sintomáticos poderão notar que não estão sozinhos. As queixas são expressas e compartilhadas há décadas. Sabíamos delas desde cedo”, disse. Para finalizar, são fornecidas aos leitores informações que auxiliam no tratamento, sendo enumeradas opções que podem ser discutidas entre pacientes e médicos, além de um olhar sobre o futuro para novas tecnologias para o tratamento do hipotireoidismo.
O livro foi escrito numa linguagem acessível para pacientes e médicos, formato que exigiu trabalho redobrado. Emails de pacientes, perguntas e questionamentos recorrentes em décadas de estudo e prática sobre o tema serviram para introduzir conceitos médicos e científicos para demonstrar que o tratamento do hipotireoidismo pode melhorar muito. Para Bianco, principalmente por volta dos anos de 1970 e 1980, as empresas farmacêuticas facilitaram e influenciaram fortemente a adoção de um tratamento simplificado que utiliza uma única droga, a levotiroxina, a qual, desde então, tem dominado o mercado. “As sociedades médicas profissionais se beneficiaram enormemente do relacionamento com os laboratórios farmacêuticos”, aponta. “Contudo, não houve motivação suficiente por parte dos médicos para questionar a efetividade do tratamento com levotiroxina. Na verdade, o FDA (Food and Drug Administration) aprovou a levotiroxina para o tratamento do hipotireoidismo sem que nenhum teste clínico fosse feito, o que permanece até hoje.” O mercado global da levotiroxina é de aproximadamente 7 bilhões de dólares e o medicamento permanece entre os 3 mais vendidos nos EUA.
Cerca de 10 a 20% dos pacientes tratados com levotiroxina continuam sintomáticos, apesar de estarem tratados adequadamente. “Nós sabíamos disso desde os anos 1970, mas ignoramos as reclamações desses pacientes”, afirma. “Pode parecer um número pequeno, mas nos EUA existem 20 milhões de pacientes com hipotiroidismo. Então, temos entre 2 e 5 milhões de pacientes insatisfeitos. Muitos desses pacientes se beneficiam quando tratados com uma combinação de levotiroxina e liotironina.”
Em países como os EUA e da Europa é reconhecido pela comunidade médica que alguns pacientes com hipotireoidismo não se sentem bem por falha do tratamento com levotiroxina. Para eles, é recomendado o tratamento com as duas drogas. Outras moléculas mais sofisticadas estão sendo desenvolvidas, o que permitirá aos médicos um maior controle no tratamento do hipotiroidismo. Além disso, vários grupos nos EUA e na Europa conseguiram criar uma glândula tireoide a partir de células tronco e transplantar essas glândulas com sucesso para tratar o hipotireoidismo.
Foi no departamento de Fisiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo que Bianco passou a se interessar pela glândula tireoide, dando início a seus estudos sobre o tema. “Durante a faculdade, trabalhei com o Dr. Carlos Roberto Douglas, que era chefe do departamento à época, estudando os efeitos da composição dos alimentos no funcionamento da tireoide”, lembra. Logo após ter se formado em Medicina pela FCMSCSP, Bianco foi contratado como professor no Instituto de Ciências Biomédicas da USP, onde permaneceu por 15 anos. Nesse período, ele continuou os estudos da glândula tireoide.
Em 1998, ele emigrou para os EUA para ser professor na Faculdade Medicina da Universidade Harvard, onde lecionou por 10 anos, tornando-se chefe do setor de tireoide do Brigham and Women’s Hospital em Boston. Em 2008, transferiu-se para Miami FL, onde permaneceu por 6 anos como chefe do setor de endocrinologia da Universidade de Miami, sempre fazendo pesquisas sobre a tireoide. Em 2014, mudou-se para Chicago para ser chefe da Endocrinologia e presidente do Grupo Médico da Universidade Rush. “Até hoje lembro dos professores da Santa Casa, o quanto eu aprendi com eles e o quanto eles foram importantes na minha formação”, disse.
O livro está à venda como eBook e paperback neste link. Para quem vive no Brasil a obra estará disponível na Amazon, a partir de 22 de novembro.