3/11/2020

Nova Política Nacional de Educação Especial Ignora TDAH e Dislexia Artigo de docente da FCM/Santa Casa é publicado pela ABDA - Associação Brasileira do Déficit de Atenção

Continuamos a testemunhar o baixo desempenho de estudantes brasileiros, em Português e Matemática aferido por sistemas de avaliações nacionais e internacionais (PISA 2018). Essa defasagem entre o desempenho esperado para a escolaridade, e o desempenho observado pode ser explicada por diversas razões pedagógicas, socioculturais, sensoriais, cognitivas, entre outras. Considerar todos estes fatores é necessário para que ocorra uma mudança significativa no quadro da Educação brasileira. Investir na formação de professores, melhorar as condições de trabalho e de remuneração dos educadores, bem como adotar práticas educacionais baseadas em evidências científicas são algumas das prioridades a serem consideradas.

No entanto, há um grupo de crianças e jovens que mesmo com todas as oportunidades ainda apresentam dificuldades para acompanhar o processo de aprendizagem. Esse grupo de crianças corresponde de 4 a 6% da população que têm Transtornos do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e/ou Transtornos Específicos de Aprendizagem (TEAp). Há evidências científicas no mundo inteiro, e no Brasil que indicam a importância da identificação precoce destes transtornos que podem impactar negativamente a aprendizagem. Além disso, quando o professor oferece recursos pedagógicos e adaptações adequados o acesso ao conteúdo escolar é favorecido.

Desde a Declaração de Salamanca, em 1994, o Brasil tem avançado muito em suas Políticas de Educacionais na perspectiva da educação inclusiva, estabelecendo diretrizes e critérios para o acompanhamento de crianças com necessidades especiais, no ensino regular e complementação no Atendimento Educacional Especializado (Brasil, MEC, Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, 2007).

A publicação da nova “Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida” (Brasil, DECRETO Nº 10.502, DE 30 DE SETEMBRO DE 2020) apresenta um retrocesso para as políticas de inclusão. Apesar de parecer ampliar as opções de escolha das famílias, a política pode favorecer uma visão de segregação dos alunos com necessidades especiais, afastando-os do convívio prioritário em salas de aula do ensino regular.

O Capítulo III Artigo 5º define o público alvo da educação especial e menciona que deve seguir a definição que consta da Lei Brasileira de Inclusão – (LBI) nº 13.146, de 6 de julho de 2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência. De acordo com a referida Lei Artigo. 2º, ou seja:

Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

§ 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará:

I – os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo;

II – os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;

III – a limitação no desempenho de atividades; e

IV – a restrição de participação.

§ 2º O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência. (Vide Lei nº 13.846, de 2019)

Apesar da descrição do público alvo, de acordo com a LBI, contemplar o grupo de crianças com TDAH e/ou Transtornos de Aprendizagem (Dislexia ou Discalculia), as necessidades especificas deste grupo não foram mencionadas na política recém publicada, nem mesmo reconhecendo as dificuldades funcionais que estas crianças apresentam em sua vida escolar.

A ausência de reconhecimento explícito da dislexia e do TDAH nas políticas educacionais, dificulta que uma família consiga apoio na escola, e que tenha acesso aos recursos didáticos adequados para melhorar a vida escolar de seu filho. prevalência de dislexia entre 5 a 7% da população escolar. Considerando que o número de matrículas na Educação básica é de 48,5 milhões de alunos, estima-se que cerca de 2 milhões de estudantes têm transtornos de aprendizagem e ou TDAH no Brasil.

O documento apresenta ambiguidades no que se refere a discussão sobre acessibilidade no ensino regular com a publicação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, e a aprovação da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015). De acordo com esses documentos, o conceito de deficiência deixa de se referir a uma população específica, passando a considerar situações permanentes ou temporárias que podem dificultar ou impedir a aprendizagem. Nesse sentido, o papel da inclusão seria diminuir as barreiras à aprendizagem, garantindo as adaptações linguísticas e cognitivas necessárias para atender a todos os estudantes, independentemente da dificuldade apresentada, em uma perspectiva do Desenho Universal da Aprendizagem (MOUSINHO; SANTOS; NAVAS, 2017).

No mundo, há legislação específica para apoio educacional e garantia de diagnóstico por equipes multidisciplinares a crianças com transtornos específicos de aprendizagem e TDAH em mais de 170 países. Como exemplo, destaco as legislações no Reino Unido e Estados Unidos da America que enfatizam a importância da identificação precoce destes casos para intervir o mais rapidamente possível (Reino Unido, Special Educational Needs Code of Practice. 2001; Estados Unidos da America, The Individuals with Disabilities Education Act, IDEA, 2004).

Ainda em tempo, vale ressaltar que neste momento muitos países se concentram em discutir os desafios educacionais impostos pela situação da pandemia, sobre como implementar programas de apoio para a retomada da escolarização pós pandemia. Infelizmente, o referido decreto parece novamente ignorar aqueles que mais precisarão de medidas compensatórias e de recuperação da aprendizagem. Se alunos com diferentes níveis de escolaridade têm dificuldades com o distanciamento social e as aulas remotas, para os estudantes com transtornos específicos de aprendizagem e/ou TDAH o desafio é, sem dúvida, ainda maior.

Até quando sucessivas políticas de educação vão ignorar os alunos com TDAH e Dislexia?

Profa. Dra. Ana Luiza Navas
Professora Adjunta, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de SP
Coordenadora do Conselho Científico da Associação Brasileira do Déficit de Atenção – ABDA
Associada fundadora e Colaboradora técnica do Instituto ABCD

Publicado originalmente aqui.