2/4/12020
Em novembro de 2019 o mundo desperta para o primeiro caso de Coronavírus na China. Logo, o vírus chega até a Europa, América Latina dentre outros continentes e países, adoecendo pessoas e ceifando vidas.
Na sexta feira de carnaval, 21/02/2020, desembarca no Brasil uma pessoa com sinais e sintomas, e que foi considerado o 1o episódio da doença no país. Com a confirmação, as autoridades e a população vão prestando mais atenção a providências e cuidados a serem reforçados para a prevenção.
Em março, as escolas são fechadas, as pessoas são orientadas a ficarem em casa, eventos e shows são cancelados, trabalhadores realocados para o trabalho de forma remota e quem pode deixa seus funcionários nas suas casas trabalhando remotamente, para o amparo dos mais suscetíveis. Desta forma, mais e mais pessoas vão ficando em isolamento social, dentro de suas casas.
Uma grande maioria da população entendeu que a quarentena não é férias ou folga, que não é feriado, mas uma medida de bloqueio do contato e consequente contágio da doença entre amigos, familiares e colegas de trabalho para proteger a si mesmo e os mais vulneráveis.
O ponto crucial é a mulher em isolamento social – independente da classe social – com o agressor que, na sua grande maioria é o marido, o irmão, o filho e/ou o pai, que sai de casa para trabalhar. Desse modo, você já entendeu onde quero chegar. O Estresse, a ruptura das das redes sociais do trabalho, amigos e familiares, sobrecarga de tarefas em casa e cuidado dos filhos, condição de desemprego, somado ao distanciamento dos serviços da rede de proteção e a diminuição do acesso aos serviços podem exacerbar o risco de violência para as mulheres. O local em que mais ocorre a violência doméstica é a morada da vítima, de modo que o isolamento social, tão fundamental para a não disseminação do vírus, pode causar danos e crimes, além de alastrar essa epidemia, a violência doméstica, que muitas vezes termina em feminicídio, na frequência de uma morte a cada 1h e 30 minutos no país. Já estão sendo mostrados os dados de aumento de 50% nas denúncias de violência doméstica em decorrência do confinamento necessário para frear a pandemia.
Apesar de muitos trabalhadores em condição precária de vida e trabalho não puderam parar de trabalhar, outros tantos estão em casa, convivendo com suas famílias e ocupando espaço físico de maneira compartilhada em tempo maior. O espaço da casa na ausência do agressor, percebido como momento de paz, espaço de pensar estratégias para viver o dia a dia, deixa de existir, respiro para a dor, hoje, nessa condição, deixa de existir.
Como estamos cuidando dessa mulher, no atual momento de isolamento? Eu não sei, você consegue me dizer?
Sabemos do elevado número de óbitos em decorrência da Violência Doméstica e familiar. E pontuo: o domicílio é o local onde mais acontece o fato.
Aqui nasce a minha angústia. Como a mulher em situação de violência pelo seu agressor está nesse momento? Além de ser bombardeada por notícias de todos os lados sobre o coronavírus, somada a violência sofrida sem a chance de sair de casa para pedir socorro?
Hospitais, centros de acolhida, Unidades Básicas de Saúde e outros locais ou estão fechados, oferecendo atendimento remoto, ou estão atendendo os casos graves. Somado ao contexto atual, nossa sociedade e o Estado pouco dão credibilidade às queixas das mulheres em situação de violência e por isso, são vítimas de violência institucional que a faz se sentir ainda mais desprotegida.
O feminicídio poucas vezes acontece na primeira ameaça: a mulher em situação de violência sofre paulatinos atos de violência até chegar a óbito. A violência doméstica não é apenas física, com marcas visíveis ou de natureza sexual que também pode deixar marcas, mas existem as violências silenciosas, que são: a psicológica, a moral e a patrimonial que são naturalizadas na sociedade, e por isso, passam mascaradas como um ataque repentino de ciúmes.
A Lei Maria da Penha dispõe das medidas protetivas para prevenir e acabar com a violência, esse é o instrumento jurídico que protege a vítima e as pessoas envolvidas na violência. Apesar da lei, há barreiras dos plantões judiciários e policiais que pouco ou não garantem o uso efetivo da lei para respaldar a garantia da vida às mulheres em situação de violência.
No atual quadro de temor quanto à pandemia e consequente isolamento social, é preciso lembrar mais uma vez que a questão da violência doméstica deve ser tratada de forma pública, não como um tema privado.
A partir de agora, fique alerta a uma vizinha, conhecida, amiga, parente: se ao ler esse texto você identificou alguém ou se sentiu acolhida, precisa de ajuda, busque 180, 190, 100, ou busque a Rede assistencial às mulheres em situação de violência no município.
Gláucia Colebrusco, advogada, é aluna do curso de Especialização em Enfrentamento e Prevenção da Violência para a Garantia dos Direitos Humanos, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, sob a coordenação da Professora Doutora Maria Fernanda Terra.
Acesse pelo QR Code nesta página a Rede de Enfrentamento em São Paulo