21/12/2018
Neste ano, a Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Santa Casa de São Paulo evidenciou e promoveu o debate sobre os desafios enfrentados pelas pessoas negras em diversas esferas da sociedade brasileira. Para destacar o Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, o Núcleo de Direitos Humanos e Combate à intimidação Sistemática (NDH) convidou profissionais dedicados à luta contra o racismo e a discriminação para compartilharem suas vivências com estudantes e professores.
Participaram da Semana da Consciência Negra da FCM/Santa Casa de SP a militante Jupiara Castro, fundadora do Núcleo de Consciência Negra da Universidade de São Paulo (USP), no dia 21; e o psicólogo Márcio Farias, coordenador do Instituto Amma Psique e Negritude, no dia 23. Ao final de cada apresentação, houve um período de discussão e troca de experiências, com intensa participação da plateia, intermediado pela Profa. Dra. Tania Di Giacomo do Lago, docente do Departamento de Saúde Coletiva e coordenadora do NDH da Faculdade.
Após a palestra “Cotas Raciais X Cotas Sociais para Acesso à Universidade”, ministrada por Jupiara, estudantes negros relataram suas dificuldades em ingressar na faculdade e no mercado de trabalho, bem como o esforço realizado para manterem-se no curso. Acesse a matéria completa.
Farias, por sua vez, trabalhou o tema “Racismo Institucional” contextualizando os problemas étnico-raciais da atualidade com um panorama histórico do Brasil, desde a escravidão do período colonial até o movimento modernista da primeira metade do século XX. O psicólogo citou pensadores e ideologias que marcaram as transições colônia/império/república e sua relação com a percepção da população negra pelos brancos. “Herdamos a maior sociedade escravista da história da humanidade, com escravos negros e indígenas, o que assegurou a presença massiva de africanos e seus descendentes no país e tornou o Brasil um país de mulatos”, destacou.
Ele abordou as consequências da abolição da escravatura, em 1888, que ocorreu sem o planejamento de uma assistência adequada visando a adaptação dos negros ao regime de trabalho livre. “Não houve a integração dos negros em uma sociedade de classes dinâmica. Eles passaram a fazer parte de um estrato social sem possibilidade de mobilidade, ao contrário dos imigrantes italianos, por exemplo, que passaram de camponeses a burgueses em cerca de três gerações”, explicou.
Higienismo e Eugenismo
Farias ressaltou o papel da classe médica para o cenário de opressão, a partir da disseminação de ideias eugenistas. No século XIX, a emergência dos centros urbanos e a falta de infraestrutura de saneamento básico resultaram em constantes epidemias, voltando as atenções para a saúde coletiva. Médicos intelectuais, conhecidos como sanitaristas ou higienistas, começaram a apresentar projetos para melhorar as péssimas condições sanitárias, criando a Liga Brasileira de Higiene Mental.
A Liga proliferou preconceitos, colocando a culpa do problema de higiene nos negros e mais pobres que habitavam os cortiços, os quais não possuíam instalações para coleta de esgoto. Assim, para evitar o contágio, foram propostas políticas repressivas e fiscalizadoras, ao invés da construção de melhores habitações coletivas. “Em três décadas, o movimento eugenista transformou o negro de bom escravo a mau cidadão”, afirmou Farias. Para o psicólogo, atualmente, há necessidade de as instituições discutirem suas práticas, caso contrário estarão reafirmando o racismo e os negros continuarão passando por experiências discriminatórias.
Para saber mais:
Racismo, eugenia no pensamento conservador brasileiro: a proposta de povo em Renato Kehl
Grupo de Estudos e Pesquisas Higiene Mental e Eugenia (GEPHE)
Instituto Amma Psique e Negritude