14/10/2020

Reino Unido registra caso de perda de audição irreversível causada por Covid-19 Professor da FCM/Santa Casa é entrevistado pela Folha de S. Paulo

Um homem de 45 anos de idade teve perda parcial permanente de audição como consequência de um quadro grave de Covid-19. O relato do caso, que aconteceu no Reino Unido, foi publicado nesta terça-feira na revista científica BMJ Case Reports.

O paciente foi atendido em um hospital especializado em tratamento para ouvido, nariz e garganta em Londres no décimo dia de sintomas da Covid-19. Devido a complicações respiratórias, o homem precisou ficar sob respiração mecânica por 30 dias. Seu tratamento incluiu o uso do antiviral experimental remdesivir e corticoides.

Uma semana após o fim da intubação, o paciente relatou zumbido no ouvido esquerdo e perda de capacidade de audição repentina. Os médicos adotaram um tratamento padrão para o caso, com o uso de corticoides por via oral e aplicação dos medicamentos no ouvido.

Embora parte da capacidade auditiva tenha sido restaurada após o uso de corticoides, que atuaram na redução da inflamação na área, o sentido não voltou ao que era antes da infecção pelo Sars-Cov-2, o que levou os pesquisadores a classificarem o caso como irreversível.

Os médicos relatam no artigo que o paciente era asmático, mas não apresentava perda auditiva ou outros problemas no ouvido anteriores à infecção por coronavírus. O paciente também fez testes para outras possíveis causas dessa perda de audição, mas todos os resultados foram negativos. Por exclusão, os médicos concluíram que o novo coronavírus era a causa mais provável do quadro.

Infecções virais, como as causadas pelo vírus da herpes ou o vírus da influenza, e problemas circulatórios podem levar à perda auditiva neurossensorial, caso do paciente britânico, segundo Paulo Roberto Lazarini, médico otorrinolaringologista e professor na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Essa perda é causada por lesões no nervo auditivo, que sai da cóclea (a estrutura em forma de caracol formada dentro do ouvido), explica o médico.

Desde abril, alguns casos de perda de audição potencialmente causados pelo novo coronavírus vêm sendo relatados, mas o sintoma é muito raro, afirma Mirian Dal Ben, médica infectologista do Hospital Sírio-Libanês.

“No Brasil, são pouquíssimos relatos de surdez após Covid. Podemos dizer que não há uma tendência do vírus para afetar o sistema auditivo, como acontece com o olfativo”, diz Lazarini.

Segundo Dal Ben, uma das hipóteses levantadas até o momento aponta que a a surdez parcial pode ser causada nos pacientes de Covid-19 por um mecanismo parecido com o que leva à perda de olfato nesses doentes: a partir da ação do vírus no sistema nervoso central e nos nervos periféricos ligados a essas funções.

A perda de olfato, ou anosmia, é um sintoma frequente da Covid-19 e pode ser até a única manifestação da infecção na pessoa. Alguns pacientes levam meses para recuperar a função. Uma perda definitiva de olfato nesses pacientes ainda não está descartada pelos cientistas.

Estudos recentes têm comprovado que o novo coronavírus pode infectar nervos e até causar alterações neurológicas. Em um artigo publicado em julho no periódico científico Jama Otolaryngology, pertencente à Associação Médica Americana (AMA), cientistas da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins comprovaram que o Sars-Cov-2 pode colonizar partes do ouvido de pessoas infectadas, aumentando ainda mais as evidências de que o vírus pode ser o responsável pelas alterações na audição.

Um levantamento realizado por pesquisadores do Reino Unido com mais de 120 pacientes de Covid-19 que receberam tratamento em um dos hospitais ligados à Universidade de Manchester mostrou que quase 15% dessas pessoas tiveram alguma alteração na audição, como perda parcial da capacidade de ouvir ou a presença de zumbido durante a infecção ou no período de recuperação.

“Há necessidade de estudos de alta qualidade para investigar os efeitos agudos e temporários da Covid-19, assim como os riscos de longa duração para o sistema vestibular”, escrevem os autores no artigo publicado no fim de julho na revista científica International Journal of Audiology.

“Embora sejam muito raros, esses casos devem acender o alerta para os médicos”, afirma Dal Ben.

Os pesquisadores que relataram o caso do paciente britânico sugerem que os hospitais procurem pelos sintomas auditivos nos pacientes de Covid-19 para que o tratamento possa ser iniciado o quanto antes. “Uma vez que o paciente relate a perda de audição, deve ser enviado com urgência a um otorrinolaringologista”, escrevem os cientistas.

Acesse reportagem na Folha de S. Paulo aqui.