2/9/2019

“A insensibilidade é a doença do século” Em palestra na FCMSCSP, Rafael Ruiz, professor da Unifesp, fala sobre a frieza de uma sociedade que valoriza o individualismo e desqualifica o afeto

Fotos disponíveis para download no Flickr da  FCM/Santa Casa de SP

Muito além da prevenção de doenças, a humanização do ambiente de trabalho – a saúde será abordada de maneira sistêmica na edição 2019 da Semana Interna de Prevenção de Acidentes (SIPAT), que teve início nesta segunda-feira, 2, com a presença de representantes da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), da Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho (FAVC) e do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT)*.

A palestra de abertura do evento alertou, justamente, para a importância do equilíbrio entre vida pessoal e profissional, apresentado como um dos fatores essenciais para que haja uma dinâmica saudável nas relações interpessoais, somado aos gestos de carinho, respeito e delicadeza. O palestrante, Prof. Dr. Rafael Ruiz Gonzalez, docente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), explicou como a carência destes elementos no cotidiano resulta na sociedade intolerante que temos vivenciado. E mostrou que a supressão dos conhecimentos proporcionados pelas artes e literatura contribui para esta “desumanização”, tornando a insensibilidade a doença do século.

A literatura como conhecimento do humano

Ao longo de sua explanação, o professor citou diversas obras literárias que viabilizam o entendimento e a reflexão sobre as características humanas. “A literatura produz um conhecimento insubstituível: com ela aprendemos não somente ‘o que é’, mas também ‘como é’ ser humano”, disse.  Ruiz lembrou que, neste processo, o homem aprende a “ver o próximo e a si mesmo”.

Para o professor, entre os aprendizados que a literatura promove está a consciência das proporções da vida, ou seja, a medida de dedicação a ser dada às coisas, pessoas e atividades que fazem parte de nossa existência. “Hoje, temos uma relação doentia e desproporcional com o celular. Investimos nas redes sociais, nos preocupamos com as ‘curtidas’ que recebemos, nossos amores se reduzem ao Tinder”, exemplificou.  “Perdemos o ‘olhar nos olhos’ e as conversas sem mediação tecnológica. Esta falta de contato real com outra pessoa acarreta a insensibilidade. Se quisermos ser verdadeiramente humanos, devemos dar valor aos sentimentos e às relações”, completou.

Tempo para ler e para se relacionar com o próximo

Ruiz destacou que a frieza generalizada e epidêmica de nosso tempo não foi adquirida de uma hora para outra, mas construída nos últimos séculos, à medida que houve a valorização do conhecimento científico, tecnológico, exato e preciso, em detrimento das artes e, em especial, da literatura, que passou a ser considerada “um lazer para o qual as pessoas não possuem tempo”.

Segundo o professor, a percepção do tempo é distorcida pelo mundo digital. “Não sabemos mais o que é paciência (que, aliás, é uma característica humana). Um minuto passa a ser uma eternidade. Ficamos 24 horas on-line e não vivemos mais o momento. Não existe mais a felicidade da espera, como descrita pela personagem da raposa no livro O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry”.

De acordo com o professor, se olharmos a vida sob a perspectiva do tempo medido pelo relógio, nossos dias parecerão todos iguais. No entanto, se o alvo do nosso ponto de vista forem as relações estabelecidas, cada dia será diferente do outro. “Dedique seu tempo à felicidade de apreciar a literatura e a sociedade ficará mais humana”, aconselhou.

*Participaram da abertura da SIPAT 2019: Dr. Antonio Augusto Brant de Carvalho, assessor da presidência da FAVC, mantenedora da Faculdade; Prof. Dr. José Eduardo Lutaif Dolci, vice-diretor da FCMSCSP; Dra. Flávia Almeida, do SESMT; e João Rosário, gerente do Departamento de Recursos Humanos da FAVC.

Para saber mais:

A literatura como conhecimento e experiência do humano

E se a literatura não existisse?

 

Vanessa Krunfli Haddad