01/11/2018

Estigma e falta de suporte à afirmação de gênero interferem na saúde das pessoas trans Tema é debatido em evento da Liga de Voz do Curso de Graduação em Fonoaudiologia da FCM/Santa Casa

Profa. Dra. Maria Amélia Veras, docente da FCM/Santa Casa, e Prof. Dr. Rodrigo Dornelas do Carmo, da UFRJ, em debate com participantes do evento. Clique na imagem para ver mais fotos

A discriminação contra travestis e pessoas trans está associada ao aumento de risco de infecções sexualmente transmissíveis (IST) nessa população, mostram os resultados de pesquisas realizadas no Brasil e no exterior.  Esta relação foi evidenciada durante o evento “A Saúde da Pessoa Transexual”, promovido pela Liga de Voz do curso de graduação em Fonoaudiologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Santa Casa de São Paulo.

Na ocasião, diferentes estudos sobre as condições de saúde e situações sociais das pessoas transexuais foram apresentados pela Profa. Dra. Maria Amélia Veras, docente do Departamento de Saúde Coletiva da FCM/Santa Casa e coordenadora geral do NUDHES – Núcleo de Pesquisas em Direitos Humanos e Saúde LGBT.  Segundo a pesquisadora, diversos países possuem taxas de prevalência de infecção por HIV desproporcionalmente maiores entre travestis e mulheres transexuais em comparação com a população em geral.

Outros estudos revelam que o estigma contra estas pessoas interfere na sua saúde, estando ligado à rejeição familiar; limitações nas oportunidades educacionais; desemprego; situação precária ou instável de moradia; falta de acesso aos cuidados de saúde e violência, inclusive de policiais. Uma das manifestações desta violência são as altas taxas de assassinatos, sendo que o Brasil é campeão mundial de mortes em virtude da transfobia, de acordo com a organização Transgender Europe.

Pesquisa realizada pelo NUDHES no Estado de São Paulo, entre 2014 e 2015, verificou as vulnerabilidades, demandas de saúde e o acesso a serviços pelas pessoas transgêneras. Denominado Projeto Muriel, em referência à personagem da cartunista Laerte, o estudo examinou vários aspectos, entre eles o uso de silicone industrial e hormônios sexuais sem prescrição para transformar o corpo. “Observamos que o respeito ao nome social pelos serviços de saúde protege essas pessoas da utilização de hormônios sem receita e de seus consequentes riscos. Não havendo discriminação e tendo acesso ao serviço, elas comparecem à unidade de saúde para receber a prescrição”, destacou a professora Maria Amélia, lembrando que, quanto mais atendidas são as necessidades de afirmação de gênero das pessoas trans, melhor é a sua qualidade de vida e menor a prevalência de sintomas depressivos e abuso de substâncias.

Atendimento humanizado

Também participou do evento o Prof. Dr. Rodrigo Dornelas do Carmo, do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que abordou o desempenho vocal no processo transexualizador. Dornelas contou sua experiência na criação e coordenação do Ambulatório de Saúde Integral da Pessoa Trans, localizado no município de Lagarto (SE), que recebeu menção honrosa pela Organização Mundial de Saúde e pelo Conselho Nacional de Saúde, em 2017, por atender a população transexual de forma humanizada.

O fonoaudiólogo era professor da Universidade Federal de Sergipe quando teve contato com a realidade das pessoas trans no Brasil. “A maioria vive compulsoriamente na prostituição por falta de acesso a trabalho e educação, com uma expectativa de vida de 35 anos, sendo que a média nacional é de 75 anos”, observou.

Dornelas decidiu, então, montar um serviço de atendimento vocal para pessoas trans e travestis. A ideia ganhou a adesão de outros profissionais e deu origem ao ambulatório, que hoje conta com uma equipe interdisciplinar composta por endocrinologista, psicólogo, psiquiatra, fonoaudiólogo, nutricionista, ginecologista, terapeuta ocupacional, clínico geral, assistente social e enfermeiro. “O atendimento é diferenciado porque usa como princípio norteador a ‘despatologização’ da identidade trans, ou seja, não entende a transexualidade como uma doença ou transtorno mental”, explicou o professor.

No ambulatório, o paciente se autodesigna, dizendo com qual gênero se identifica. Por conta dessa singularidade, todos os casos são atendidos e discutidos individualmente. Nada é obrigatório: o paciente escolhe as especialidades pelas quais vai passar, conforme suas demandas. “Da mesma forma, o trabalho fonoaudiológico é realizado de acordo com a característica vocal pretendida pela pessoa trans”, afirmou Dornelas, ressaltando que é realizado um trabalho de diálogo sobre as padronizações impostas socialmente. “Uma mulher pode ter uma voz grave e ser feminina e um homem pode ter uma voz aguda e ser masculino”, esclareceu.

Para saber mais:

Núcleo de Pesquisas em Direitos Humanos e Saúde LGBT

Políticas, estratégias e campanhas do Ministério da Saúde

Experiências premiadas no Laboratório de Inovação sobre Participação Social na Atenção Integral à Saúde das Mulheres

TMM Annual Report 2016: An introduction to the Trans Murder Monitoring project

Vanessa Krunfli Haddad