13/06/2022

Varíola dos macacos: professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de SP esclarece a população sobre o tema O professor Dr. Marco Aurélio Palazzi Sáfadi esclarece alguns aspectos sobre a varíola símia, dá dicas à população de como se proteger dessa doença e sugere planejamento às autoridades sanitárias

O professor Dr. Marco Aurélio Palazzi Sáfadi, coordenador do Departamento de Pediatria e Puericultura do Curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), fala sobre a doença popularmente conhecida como “varíola dos macacos”, como e onde surgiu, qual a diferença da “varíola humana” e como pode ser feita a proteção e prevenção contra a doença.

Baseado em evidências científicas, ele sugere que, neste momento, não há motivo para pânico na população em relação à doença, reforça a necessidade das autoridades sanitárias, como o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para se planejarem, com antecedência, para a proteção dos brasileiros. Além disso, o pesquisador enfatiza que, assim como todos os temas que envolvem pesquisa científica e a área da saúde, é preciso combater sempre as notícias falsas, para não gerar pânico na população.

Varíola foi a única doença erradicada pela humanidade, graça às vacinas: saiba a diferença entre elas

De acordo com o professor Marco Aurélio Sáfadi, apesar de similares, as duas varíolas são provocadas por espécies diferentes de vírus, ambos pertencentes ao gênero Orthopoxvirus. O vírus da varíola é reconhecido como um dos maiores — suficientemente grande para ser visto como um ponto ao microscópio óptico — e mais resistentes vírus de DNA conhecidos. Esta varíola foi a única doença até hoje que a humanidade erradicou, significando a ausência absoluta de circulação no mundo, que se deu graças às vacinas. Após o último caso no mundo, registrado em 1977, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a doença como erradicada e recomendou o fim da continuidade da aplicação da vacina.

Fato de a doença estar presente em todos os continentes é motivo de preocupação

Já a varíola símia, também conhecida como varíola dos macacos, é uma doença endêmica surgida na África, ocorrendo, periodicamente, relatos de surtos fora dos países africanos. Porém, atualmente, o que chama atenção do professor da FCMSCSP e de outros pesquisadores da área é a quantidade de casos notificados em diversos continentes. De acordo com Marco Aurélio, o crescente número de casos, ultrapassando 1285 casos em 28 países até o dia 08 de junho, motiva preocupação e merece atenção das autoridades sanitárias, mas sem necessidade de pânico. Os casos atualmente reportados concentram-se na população de homens que fazem sexo com homens . “As duas doenças têm similaridades na sua apresentação, mas de forma geral, o que nós podemos dizer, é que esta varíola símia tem menor gravidade do que a varíola humana”, diz. Até o momento nenhuma morte foi associada a estes casos atualmente descritos fora da África.

Também segundo o professor, a varíola símia se caracteriza por sintomas que podem ser confundidos com diversas doenças, como a catapora, o herpes, a sífilis, entre outras: lesões pelo corpo, febre, dores pelo corpo, dor de cabeça e aumento dos gânglios linfáticos, ou seja, pequenas estruturas que funcionam como filtros para substâncias nocivas. “Isso normalmente é sucedido, depois de alguns dias, pelo aparecimento das lesões que se iniciam na face e vão progredindo para as extremidades”, aponta. “As doenças têm várias fases: desde manchas até pápulas, que depois evoluem para bolhas, vesículas e na sequência acabam tendo um aspecto de crostas e ficam distribuídas na genitália, nas mucosas, na palma da mão, na planta dos pés e normalmente depois de uma, duas semanas, há uma tendência de cicatrização dessas feridas e a grande maioria daqueles que se infectaram se recuperam”, explica Sáfadi.

O Professor destaca que na varicela (catapora) as lesões progridem mais rápido, estão mais centralizadas no corpo do que nos casos de varíola símia (que tem uma distribuição centrífuga das lesões), apresentam-se em vários estágios de desenvolvimento (em vez do mesmo estágio visto na varíola símia) e geralmente poupam as palmas das mãos e as plantas dos pés.

Consequências sociais da doença

O professor Marco Aurélio relembrou do surto da febre amarela no Brasil entre os anos de 2016 e 2017 ao demonstrar preocupação com as reações da sociedade para conter a doença. Segundo ele, na época, informações equivocadas fizeram com que a população desejasse a eliminação dos macacos, que acabaram sendo vítimas de violência e envenenamentos. Além de ser um covarde crime ambiental, a morte dos macacos apenas contribuiu para prejudicar o controle da doença. Não são os macacos os transmissores da febre amarela, mas sim os mosquitos.

Sáfadi explica que no caso da varíola símia, os macacos, a exemplo de outros animais, são também hospedeiros do vírus, condenando as iniciativas que atentem às vidas dos primatas. “É muito importante que se compreenda que os macacos são tão afetados quanto o ser humano, não são eles os reservatórios do vírus. Então, qualquer iniciativa de tentar eliminar macacos é absolutamente improcedente, ineficaz e condenável”, reforça.

Além disso, o professor também explica que ainda não há uma confirmação de quem seja o reservatório deste vírus na natureza, mas há indícios de que seriam os roedores os reservatórios desse vírus. “A transmissão da doença é feita para diversos animais, primatas não-humanos, primatas de uma forma geral e outras espécies, então há sim possibilidade de transmissão entre animais e humanos e entre humanos”, aponta. Entre humanos a transmissão pode ocorrer por contato direto com as lesões e por gotículas respiratórias.

A varíola símia pode se tornar uma pandemia?

Segundo o professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, não é plausível que a doença assuma um perfil pandêmico. “Até o final da década de 70, a vacina de varíola era aplicada rotineiramente na nossa população, e a vacinação de varíola ainda confere a esses indivíduos, que hoje têm mais de 45/50 anos, uma proteção contra a varíola, inclusive, contra a varíola símia”, diz.

“Há estudos que mostram mais de 80% de efetividade contra a varíola símia entre indivíduos que previamente foram vacinados para varíola, então isso significa que boa parte da população, aqueles que hoje tem mais de 45/50 anos estão, de certa forma, parcialmente protegidos”, reforça o doutor. Ele destaca ainda que existem medicamentos antivirais específicos para o vírus da varíola símia, já disponíveis em outros países.

Devido à imunização dessa população, que, conforme apontado pela pirâmide etária de 2022 feita pelo Instituto de Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), contempla quase 41% da população, a transmissibilidade do vírus na comunidade se torna menor. Além disso, a própria doença não é, segundo o professor, tão infecciosa quanto outras doenças, exigindo para a contaminação, um contato próximo com o indivíduo infectado.

Transmissão da doença

A transmissão ocorre através de gotículas respiratórias, contato direto com lesões corporais ou de forma indireta, no momento que alguém p. ex. pega um objeto que tenha sido contaminado pelo indivíduo doente e leva, por exemplo, sua mão à boca ou às mucosas dos olhos e do nariz, ocorrendo a transmissão. Segundo Marco Aurélio, os estudos mostram que a transmissibilidade do vírus é máxima na primeira semana após o início desses sintomas, persistindo até a cicatrização das lesões.

Devido aos meios de propagação, em 24 de maio, a Anvisa emitiu nota recomendando “distanciamento físico sempre que possível, o uso de máscaras de proteção e a higienização frequente das mãos”, medidas já praticadas para a proteção da Covid-19, por exemplo.

Além disso, também há a proteção por meio da vacina da varíola. “Há vacinas mais novas de segunda e terceira geração disponíveis em outros países, como nos Estados Unidos e em alguns países europeus. Neste momento não está disponível uma vacina licenciada no Brasil, mas existem, sim, vacinas contra varíola atualmente e elas também oferecem proteção contra a varíola símia”, aponta Sáfadi.

Além das medidas de proteção pessoal e a vacina, também existe um medicamento antiviral, especificamente licenciado para o tratamento da varíola símia e que pode ser usado naqueles indivíduos que apresentam os sintomas.

Apesar da existência, o medicamento não está licenciado no Brasil, assim, o pesquisador enfatiza a urgência e a necessidade das autoridades sanitárias de planejarem o transporte do medicamento e o estoque estratégico de doses da vacina da varíola. “É necessário para que a gente tenha instrumentos que possam proteger a nossa população, lembrando que a vacinação funciona tanto para prevenção da doença antes de se infectar, mas, também, naqueles indivíduos que entraram em contato com o indivíduo doente e que eventualmente se infectou”, diz.

“Se você aplicar a vacina nesse indivíduo nos primeiros dias após essa exposição, a vacinação consegue abortar e impedir a evolução da doença, ou pelo menos minimizar a sua gravidade desde que aplicada nos primeiros dias após o contágio”, explica Sáfadi.